"Pequena História da Fotografia"

BENJAMIN, Walter – “Pequena História da Fotografia[1]

Quando em 1931 Benjamin publica o seu Kleine Geschichte der Photographie, está a elaborar um sistema discursivo na linha de todos os pruridos que o conjunto da sua obra revela. Autor marcadamente conotado com as fileiras de um raciocínio (dir-se-ia) anti-capitalista e de uma produção intelectual vocacionada para a defesa do proletariado enquanto sustento de uma nova ordem, assume o pleno da história de uma técnica, melhor, de uma história da técnica, quando lida de forma integrada no conjunto da sua produção.
A conjugação de factores que o levam a abordar as evoluções técnicas decorrentes dos novos meios com potencialidades artísticas é, contudo, uma consideração que se deve fazer e que nele se revela particularmente decisiva. Não é um texto datado, antes um contexto bem delimitado. Nesse contexto as virtualidades dos meios sobre os quais discorre, são reveladores de uma certa expectativa reformuladora e de um potencial último de construção de uma sociedade não fechada nos coloquialismos tradicionais.
Enfim… no que à fotografia diz respeito, formula uma abordagem dinâmica, ambientada na evolução de uma compreensão humana que se dispõe, desde que são conhecidas as sequelas das revoluções de 1848, a empreender outros propósitos. Não consistem as suas palavras num simples “foi assim”, antes na atribuição de méritos, a quem os teve, na construção de um sistema novo. São no fundo dois textos. As figuras históricas de uma primeira parte, criam espaço para as figuras da história que a segunda consubstancia. Sempre, no entanto, deixando presente o temor possível e a desilusão, pela instrumentalização económica que da fotografia e através dela, foi sendo feita.
É o vínculo a um percurso redutor de “arte de fachada”, “aurística” porquanto “auríficia”, convidando a uma maior penetração no mundo da imortalidade familiar, a uma arte de exemplo (conservador) e pormenor, trazendo do registo/captura, a breve noção de tudo quanto se poderia sustentar sobre alguém ou algo. Se fosse arte, deveríamos dizer, já que não parece ser presente em Benjamin uma ligação tão restrita quanto essa que Hoje se atribui frequentemente ao mesmo produto. É nesta clarividência que o autor se revela verdadeiramente único e intemporal. Avançando com a consideração de que a fotografia caseira de um amador será comum, tão comum que opressiva e destituidora do momento primeiro em que se pode na “chapa” ver o que estava antes e o que sempre permaneceria no retrato (de pessoas ou coisas), a magia (talvez) da revelação.

Num último momento chega-se ao ponto de assumir que a fotografia é – para Benjamin – um modelo pedagógico. Uma fiel depositária da realidade que se toca: não construída, substancial. Ensina o olhar porque cativa a atenção. Ensinar a olhar, ensinando a ver, no processo de atentar o que é feito presente. A redutibilidade da experiência estética ao vínculo de um instrumento formador passa a ser plena e acanha certos pontos anteriores do texto. A haver contradições, ficamo-nos pela de quem, a páginas tantas, mais se entusiasma com as gentes na sua essência eternizada, que pela da matriz de uma bela luz ou de um ângulo inaudito e no entanto assume a formação de associações (no observador) como um primado fundamental da criação artística. Se para ele a fotografia é instrumento, não deveria poder associar; se é veículo, então o Tempo em que escreveu pouca importância dedicou às suas palavras.

Efectivamente a análise de Walter Benjamin é esclarecedora e intuitiva, só se pode lamentar (quem o quiser) o seu posicionamento político. Ocorre parecer-se com um amigo que se possa ter, brilhante, eloquente e dedicado, posto que absolutamente militante num ideário socialista e que ao invés de tratar os seus mais próximos pelo nome, os apelida indiscriminadamente de “camarada”…


[1] In BENJAMIN, Walter – Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Lisboa: Relógio d`Água, 1992. P. 115 a 135.