Dixit: Raquel Balsa (1981)


1 - Não sendo uma fotógrafa, antes uma designer que trabalha pontualmente a fotografia (tendo inclusive exposto algumas das tuas “obras” – se é que aceitas o termo), como caracterizas a “imagem”?
Já nem sei se é dizível. Creio até que a linguagem que agora uso não a pode “dizer”. É tão abrangente que não é definível (enquanto tomarmos, pelo menos, a ideia de definição como delimitação que é a maior dificuldade que se põe). E nem por negação seria capaz de fazer esta definição: a não imagem é imagem…
Agora, se queremos aqui sintonizar-nos com a imagem da imagem (para ter acesso às várias camadas de sentidos), o melhor será fixar-nos na imagem mental captada de cada coisa que é mais que a sua pura aparência (e representação material). E o que se esconde nesta imagem mais se mostra. Pelo que se revela ao velar_conotados ainda com o sentido clássico de imagem fotográfica e no acto da sua formalização, encontramos uma metáfora que poderá descobrir a imagem da imagem: como vemos e a interpretamos.


2 - O que é para ti fotografia?
Neste momento, uma forma de reflexão sobre o seu próprio limite: o limite da informação. Este poderia ser uma transparente película, uma negra invasão ou um negro nada. Tenho estado em confronto com as imagens que me rodeiam , com a sua facilidade de criação, com o seu decorativismo e os seus artifícios…
Não tenho olhado a fotografia como meio de criação ou revelação, mas como objecto de estudo em si. E meio de reflexão sobre a imagem.


3 - Toda a fotografia é uma forma de expressão artística?
Um desenho de luz pode, no limite, ser tudo que vemos e reproduzimos cerebralmente.
A fotografia encarna papéis puramente funcionais, utilitários e operativos… nem em todos os seus papéis se manifesta uma expressão artística.


4 - Como te predispões a encarar o que fotografas?
Às vezes, o que fotografo é que me encara. O que fotografo entra em diálogo comigo e já estava em diálogo antes de eu lá chegar, eu intrometo-me e escuto, cheiro, saboreio, desafio, compreendo, … Mesmo a encenação foi muito antes adquirida em pequenas coisas e soma de várias partes que culminam numa representação.
A percepção do aparente acaso ou a encenação não estão assim tão distantes: o que as torna determinantes é a conjugação de códigos e a disposição do observado e re-assimilado: ver é rever. Revelar é velar. Velar é revelar.


5 - Pensas que em última instância tudo cabe num conceito de técnica?
As ferramentas essenciais devem ser absorvidas até serem “esquecidas”. A excelência da técnica tem o seu fascínio, mas finito.



Raquel Balsa é Licenciada em Design de Comunicação e Artes Gráficas pela FBAUP.
Entrevista realizada por e-mail em 2007-07-04.
Para aceder às imagens que ilustram esta entrevista, bem como para outros trabalhos: http://www.localexpressionarts.com/artistas/raquel/raquel.html

Imagem (2)

Se se procurar a definição de imagem em qualquer dicionário generalista, teremos uma série de enunciações possíveis, variando de representação concreta a representação imaginária; de figuração a invenção; de registo a especulação. Se mais se quiser e adicionarmos todas as cambiantes, é quase infindo o que imagem quer dizer. Num certo sentido, mais do que realidade propriamente dita, implica a noção de reflexo. Platónica referência a sombras e cavernas do mito… Reflexo porque dificilmente efectiva.
A fotografia assume parte desse pendor. Não se descortina a possibilidade de possuir o que se retrata, ultrapassados os primitivos receios da perda de alma que o click acarretaria. Por agora faz-se vocação de possuir o que está implicado por entre a moldura (imaginária). Ou seja, passámos da denotação pura, à conotação extrema e por mais que se procurem outros meios, sempre se volta ao pressuposto de um encadeamento.
As “séries” foram talvez a abordagem mais radical do primeiro dos conceitos. O alcance deveria consumir-se na imagem, guardando em conteúdo a “verdade” do exposto. O casal Becher fê-lo. Outros seguiram. Num outro instante, a fotografia não já como repositório maleável de uma obra. Não já instrumento de trabalho mas memória do trabalho mesmo, salvaguarda da sua existência. Richard Long é disso paradigma, em grande medida.
Menos que isso, menos que esse impulso, se pode observar na questão do domínio público da utilização da imagem e da técnica fotográficas. Nunca como Hoje se fez tão acertado o aviso de Walter Benjamin acerca da quantidade de fotógrafos e fotografias. Tantos que se perderia a noção do que efectivamente estava registado no seu “trabalho”. Se isso é um mau ou um bom desenvolvimento e se a permanência da memória se fará através das disponibilizações online de um manancial potencialmente inesgotável de criadores é uma discussão que se pretende noutra instância. O que é facto é que um instrumento de uso sempre controverso, se tornou um desafio à privacidade, no entendimento de que o que somos se pode tornar visível e menos problemático quando incidindo sobre a visão. Será?
Imagem: BECHER, Bernd e Hilla - Typologies of Industrial Buildings. MIT Press: 2004.

Imagem (1)

Quando se aborda a questão da imagem, o primeiro passo remete quase sempre para uma instância de realidade. O segundo, para as suas implicações. O terceiro, para tudo quanto de individual se possa adicionar ao “quadro”… Bem, talvez não, mas é deste modo que me é dado percorrer o tema. De uma forma próxima a Panofsky nas suas bases de interpretação inconográfico-iconológica, os níveis são úteis porque permitem construir um modelo através do qual alicerçar o restante da apreciação. Que – e a haver “justiça” – se deve entender única e imediata, como uma explosão em que as ondas de choque se vão fazendo sentir, uma após outra mas sempre em momento posterior ao do primeiro e inicial impacto, esse sim, total.
Não é tão interessante analisar o que É uma imagem como o que ESTÁ numa imagem. Os pólos são diversos. Um mais teórico e um outro bastante mais sensorial. Nos nossos tempos, corre o segundo com mais proveito, já que a legendagem da individualidade traduz com certa acuidade os escombros de referências demasiado pessoais para serem incluídas numa tipicidade, qualquer que ela seja. Por outro lado, a ausência de correntes generalistas conduz à assunção de toda uma geração de EU`s que se fazem ouvir porque lhes é concedido o momento e o palco.
Até aqui nada de mal. A participação de cada, com suas próprias e específicas conotações permite que o que outrora foi um puzzle, se faça muitos. Ao fim e ao cabo, a multiplicidade é um género em si e o século XXI assume-o perfeitamente. O que pode trazer outras complicações é a sensação de desprezo pelo movimento mais amplo que se conforma com a utilização de certos atributos ou instrumentos que, comuns a muitos autores/criadores/comentadores, deveria aceitar as contribuições e os desenvolvimentos que são realizados (frequentemente) em simultâneo. E aqui, ou se apoda de modas tudo quanto tem semelhanças, ou se verifica que os factores discursivos são paralelos porque ocorrem num momento em que a construção sistémica social releva esses factores mais do quaisquer outros.
Voltando à imagem, disse-se que defini-la é muita menos interessante que comentá-la. Talvez porque não passe pelos meandros actuais da estatuição (que apesar de tudo, existe), formalizar os meios que conduzem à narratividade. Dão-se nomes e categorias, sim, contudo não é aceitável que se forneçam demasiadas entradas numa taxonomia que se deseja ultrapassada. Ora, a ser assim, estamos a cometer o grave prejuízo de entender a imagem como imagem, aceitando que todas as imagens sejam similares mas sem desejar dar corpo teórico ao que faz da imagem a imagem. Em última instância criam-se menos designações, mais amplas mas menos ricas em matizes. O espaço do indivíduo, se é assumido como seu, deveria compreender uma plataforma igualmente capaz de o ajustar, não um núcleo generalista de vocábulos que ao mesmo tempo que o protegem da padronização grupal, o “perdem” num conjunto demasiadamente alargado para que seja quase impossível desenvolver-se por si só, sem recurso aos princípios de outros que conseguem alcançar lugar cimeiro (mais visível) nessa alargada plataforma, Hoje global.

"Pequena História da Fotografia"

BENJAMIN, Walter – “Pequena História da Fotografia[1]

Quando em 1931 Benjamin publica o seu Kleine Geschichte der Photographie, está a elaborar um sistema discursivo na linha de todos os pruridos que o conjunto da sua obra revela. Autor marcadamente conotado com as fileiras de um raciocínio (dir-se-ia) anti-capitalista e de uma produção intelectual vocacionada para a defesa do proletariado enquanto sustento de uma nova ordem, assume o pleno da história de uma técnica, melhor, de uma história da técnica, quando lida de forma integrada no conjunto da sua produção.
A conjugação de factores que o levam a abordar as evoluções técnicas decorrentes dos novos meios com potencialidades artísticas é, contudo, uma consideração que se deve fazer e que nele se revela particularmente decisiva. Não é um texto datado, antes um contexto bem delimitado. Nesse contexto as virtualidades dos meios sobre os quais discorre, são reveladores de uma certa expectativa reformuladora e de um potencial último de construção de uma sociedade não fechada nos coloquialismos tradicionais.
Enfim… no que à fotografia diz respeito, formula uma abordagem dinâmica, ambientada na evolução de uma compreensão humana que se dispõe, desde que são conhecidas as sequelas das revoluções de 1848, a empreender outros propósitos. Não consistem as suas palavras num simples “foi assim”, antes na atribuição de méritos, a quem os teve, na construção de um sistema novo. São no fundo dois textos. As figuras históricas de uma primeira parte, criam espaço para as figuras da história que a segunda consubstancia. Sempre, no entanto, deixando presente o temor possível e a desilusão, pela instrumentalização económica que da fotografia e através dela, foi sendo feita.
É o vínculo a um percurso redutor de “arte de fachada”, “aurística” porquanto “auríficia”, convidando a uma maior penetração no mundo da imortalidade familiar, a uma arte de exemplo (conservador) e pormenor, trazendo do registo/captura, a breve noção de tudo quanto se poderia sustentar sobre alguém ou algo. Se fosse arte, deveríamos dizer, já que não parece ser presente em Benjamin uma ligação tão restrita quanto essa que Hoje se atribui frequentemente ao mesmo produto. É nesta clarividência que o autor se revela verdadeiramente único e intemporal. Avançando com a consideração de que a fotografia caseira de um amador será comum, tão comum que opressiva e destituidora do momento primeiro em que se pode na “chapa” ver o que estava antes e o que sempre permaneceria no retrato (de pessoas ou coisas), a magia (talvez) da revelação.

Num último momento chega-se ao ponto de assumir que a fotografia é – para Benjamin – um modelo pedagógico. Uma fiel depositária da realidade que se toca: não construída, substancial. Ensina o olhar porque cativa a atenção. Ensinar a olhar, ensinando a ver, no processo de atentar o que é feito presente. A redutibilidade da experiência estética ao vínculo de um instrumento formador passa a ser plena e acanha certos pontos anteriores do texto. A haver contradições, ficamo-nos pela de quem, a páginas tantas, mais se entusiasma com as gentes na sua essência eternizada, que pela da matriz de uma bela luz ou de um ângulo inaudito e no entanto assume a formação de associações (no observador) como um primado fundamental da criação artística. Se para ele a fotografia é instrumento, não deveria poder associar; se é veículo, então o Tempo em que escreveu pouca importância dedicou às suas palavras.

Efectivamente a análise de Walter Benjamin é esclarecedora e intuitiva, só se pode lamentar (quem o quiser) o seu posicionamento político. Ocorre parecer-se com um amigo que se possa ter, brilhante, eloquente e dedicado, posto que absolutamente militante num ideário socialista e que ao invés de tratar os seus mais próximos pelo nome, os apelida indiscriminadamente de “camarada”…


[1] In BENJAMIN, Walter – Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Lisboa: Relógio d`Água, 1992. P. 115 a 135.

Intróito

O que passa pela imagem que se captura é sempre insólito. Porque diverso para o observador, porque diverso para quantos pudessem estar do lado de trás de uma hipotética focalização, porque diverso para todos quanto sejam objecto do registo. As variantes da definição de papeis no que compete – em particular – à fotografia é um mundo próprio de associações e considerações sobre a vida e, muito particularmente, o tempo. Não já como na arte do retrato ou na tradição da pintura histórica – potencialmente objectiva – a fotografia, é o desenvolver de um preceito inocente (quando “caseiro”). Como no anúncio: “Para mais tarde recordar”.
A esse nível, será a imagem registada, impressa, fixada por sais de prata (quando o é), uma mnemónica ou um efectivo instrumento de memória? Um artefacto contextualizante do processo inevitável do devir humano, pessoal e/ou colectivo, ou uma criação autónoma? Um “algo” possuidor de aura, como dela falam BENJAMIN e RICOEUR (ainda que em termos diversos)?
O objectivo deste local-lugar (os não lugares seriam encarados noutros termos que não os da virtualidade online) é recolher contributos para a discussão da imagem (fotográfica) com suas nuances e paradigmas.
Propostas, só as de quem as quiser elaborar…